Revista Biografia

Iveth

Um pouco da história de Moçambique não faz mal! Foi a 1 de Abril de 1909, que os governos da então Província Ultramarina de Moçambique e do Transval (antiga província sul-africana) assinaram a 1.ª Convenção, que permitia o recrutamento de trabalhadores para as indústrias mineiras do Transvaal.

Naquela altura, a economia da província era dominada, no centro e norte, por grandes plantações exploradas por companhias majestáticas não portuguesas, onde se praticava a monocultura de produtos de exportação. No sul, predominava a exportação de mão-de-obra para alimentar o capital mineiro da África do Sul.

A exportação de moçambicanos dava bons rendimentos ao Estado colonial. Mas… o que terá isso a ver?! Os pais da biografada são naturais de Chókwè, província de Gaza, sul de Moçambique, e por força daquele acordo, o pai foi exportado e trabalhou como mineiro na África do Sul. [Sobre o impacto disso, já lá iremos escrever…]

Estávamos nos finais da década de 70. A cidade acabava de mudar de nome Vila Trigo de Morais, para Chókwè. Henrique Mafundza conheceu Maria Machavane. Ficou encantado. E tempos depois começaram a namorar.

A relação não foi bem recebida em casa de Maria. A mãe não concordava com o eventual matrimónio dos dois, porque a filha era órfã de pai e a mais avançada nos estudos. Queria que Maria trabalhasse e cuidasse da família.

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O amor falou mais alto nas mentes de Henrique e Maria. Nos primórdios dos anos 80, decidiram fugir de Gaza para a província vizinha – Maputo. Na capital moçambicana, começaram uma vida a dois, maritalmente.

Como fruto da relação, a 13 de Fevereiro de 1985, nasceu Ivete Marlene Rosária Mafundza. Pelo facto de o seu pai ser mineiro, a então recém-nascida cresceu num ambiente de muita música, pois Henrique regressava com muitos discos de vinil, sempre que voltava da África do Sul, no fim do ano.

A infância e adolescência de Ivete foram passadas nos bairros de Museu, Coop, e Triunfo; zonas nobres da capital. A sua primeira paixão foi a dança. Gostava de dançar Xitsuketa, Pop Music, e Mapandzula, ritmos musicais que faziam sucesso na época.

Ao longo do seu crescimento foi perdendo habilidade para a dança. Por influência do seu irmão, Patrick, e amigos dele, que gostavam de Rap, Ivete apaixonou-se por aquele estilo musical, um ano depois de ingressar na Escola Secundária da Polana. Em 1997, começou a cantar na escola. Fazia músicas com amigos, de grupos musicais do seu bairro.

A paixão ficou sólida quando conheceu o percurso e as obras da rapper Lauryn Hill. Viu nela uma mulher completa, por ser cantora, compositora, rapper, produtora, mãe e, acima de tudo, inteligente, algo que sentia através do conteúdo da música cantada por Lauryn. O outro factor determinante para a escolha do estilo musical foi o facto de Ivete falar muito e ter visto o rap como o único canal que poderia usar para expressar as suas várias ideias numa única música.

Hip-Hop em Moçambique é visto de forma preconceituosa por um número considerado de pessoas. Todavia, Ivete não foi repreendida pelos pais por optar pelo caminho do rap, mas lhe colocaram duas condições: estudar e ter boas notas na escola. “Fui esperta. Tirava notas positivas para os meus pais me deixarem cantar à vontade.”

Entre 1997 e 2001, Ivete passou por vários conjuntos de Hip-Hop (destaque para Sweet Girls), e começou a escrever poemas. A carreira musical iniciou oficialmente em 2001, no grupo The Beat Crew. Trata-se de um agrupamento de Hip-Hop, que surgiu no bairro da Coop e era constituído por Sick Brain, Makanaki, Madc, Nick Slim e Iveth, seu nome artístico, ou ainda Crazy Black Chick (CBC). Foi no The Beat Crew, onde aprendeu a fazer Hip-Hop consciente, positivo, interventivo e educativo.

Ela e outros elementos daquele grupo promoveram, em 2004, um evento alusivo ao dia da criança, direccionada à criança de rua, onde o bilhete era adquirido em troca de peças de roupa, produtos alimentícios que reverteram a favor das crianças de rua.

Mais tarde, Iveth fez parte do colectivo Female Mcs, um grupo de mulheres fazedoras do Hip-Hop, cujo projecto não colheu frutos.

Após ver injustiças em noticiários de rádio, televisão e jornais, nasceu o sonho de ser Advogada. Depois de, em 2003, terminar o ensino médio na Escola Secundária Joaquim Chissano, concorreu e foi admitida para fazer o curso de Direito, na Universidade Eduardo Mondlane (UEM).

Um ano depois de entrar para Faculdade (2005), as alegrias de Ivete foram substituídas por lágrimas. O seu pai, Henrique Mafundza, morreu.

O ano também foi de ponto de viragem na sua vida artística e no campo jurídico. Ainda no segundo ano do seu curso, Ivete começou a estagiar na Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica. À nível da música, CBC iniciou a carreira a solo, lançando o single de sucesso: “Erga-te e seja feliz”, música com que, no fim do mesmo ano, conquistou o prémio de “Melhor Cantora de Hip-Hop moçambicano”, no concurso promovido pelo programa radiofónico Hip-Hop Time.

O seu envolvimento em projectos sociais voltou a acontecer entre 2007 e 2008. Ela fez parte do “Projecto Poder na Voz”, como artista de Hip-hop, onde em grupo com Mr. Arsen fizeram o acompanhamento de estudantes das Escolas Secundárias de Laulane, Matola e Namaacha, ensinando sempre a vertente positiva, interventiva e educativa da arte Hip-hop, poesia e conto de histórias.

Trabalhando em grupo com Simba, no “Projecto Esh, gramo de ser moçambicano”, do Fundo de Desenvolvimento Comunitário (FDC), fez acompanhamento a iniciantes do bairro de Malhazine, com o objectivo de incentivar e acompanhar os concorrentes a fazerem música com conteúdo positivo e exaltar o patriotismo, consciencializar de vários problemas sociais e exaltar a auto-estima dos jovens.

Na faculdade, Ivete era uma jovem activa e por força disso acabou por tornar-se Presidente do Núcleo dos Estudantes da Faculdade de Direito. Naquela etapa da sua vida, sofreu duras críticas na instituição de ensino, por cantar rap, enquanto cursava Direito.

“O Hip-Hop, no geral, é visto como uma arte de marginais. Quem faz Hip-Hop? Aquele que não vai a escola, os gangsters e os violentos. Tudo isto, para uma menina… está a cursar direito… isto não coaduna.”

Todavia, Iveth provou o contrário, esforçando-se mais nos estudos, para dominar as matérias e poder tirar boas notas. A jovem acabou obtendo o grau de licenciatura em tempo previsto (quatro anos). E no ano seguinte (2009) foi chamada para dar aulas na qualidade de assistente.

No mesmo ano, lançou a música “Amiga”, single de sucesso que antecedeu o lançamento do seu primeiro álbum de originais “O convite”. O número musical aborda a temática da violência doméstica. A música foi um eco das mulheres face à realidade social de violência baseada no género. Refira-se que já naquela altura fazia parte da label Cotonete Records.

Ainda, em 2009, Ivete Mafundza ascendeu ao cargo de Directora Executiva da Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica (AMMCJ). E naquele mesmo ano participou numa série de quatro intercâmbios e cursos de curta duração dentro e fora do país, todos ligados à sua área de formação.

No ano seguinte, Nkosikazi (esposa principal), pseudónimo pelo qual é também conhecida no mundo do Hip-Hop, lançou o seu álbum “O convite”. A obra tem 20 faixas musicais, onde Iveth: advoga a causa da igualdade do género; denuncia a perpetuação da opressão masculina; e questiona o papel da mulher nos lugares de decisão.

Aliás, a sua presença na AMMCJ contribuiu para cultivar nela o espírito feminista. Iveth veste roupas femininas, sobretudo a saia e saltos, quando vai ao palco, para dessa forma manifestar o feminismo. “Sou feminista. E para mim, feminismo é lutar pela igualdade de oportunidades entre os homens e as mulheres.” Pelo facto do Hip-Hop não ser um estilo musical moçambicano, a dona da voz rouca procura misturar o rap com ritmos locais como Tufo e Marrabenta.

Até então exercia três actividades: docente na UEM; rapper; e Directora Executiva na AMMCJ. Em 2010, ocupou o cargo de Secretária-Geral da Federação Internacional das Mulheres de Carreira Jurídica, para os países de língua portuguesa (2010-2013) e passou a dar aulas também no Instituto Superior de Ciências e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM), uma das instituições de ensino privado de referência no país. Chegou a pensar em parar de cantar, devido a questões de tempo, mas o amor que tem pela música obrigou-lhe a esquecer a ideia.

“Não vivo da música, mas sim resisto na música. Em Moçambique é difícil viver dela porque não há indústria musical. Faço música por amor a camisola e porque através dela posso fazer direitos humanos, também.”

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Na arena musical, Nkosikazi voltou a conquistar o prémio de “Melhor Cantora de Hip-Hop moçambicano”, com single “Afro”, lançada no final do ano. A rapper destacou-se, em 2011, com a mesma música, conquistando o prémio de “Música Mais Popular”, no concurso Mozambique Music Awards.

O número musical valoriza o ser africano, bem como as culturas e tradições africanas. O sucesso começou logo após o lançamento: considerada música da semana em vários programas radiofónicos; e Iveth tornou-se a artista do mês.

Ainda em 2011, Ivete iniciou o percurso para obtenção do grau de Mestre em Business Managment, pela Universidade de Liverpool (Inglaterra). E participou de um evento de intercâmbio, na Suiça, sobre Direitos Humanos. No mesmo ano, ascendeu ao cargo de Presidente do Centro de Estudos e Promoção da Cidadania, Direitos Humanos e Meio Ambiente (CODD).

Em 2012, a artista foi convidada pelo Departamento do Estado dos Estados Unidos da América, a participar de um programa especial para cantores de Hip-Hop em sete Estados. O projecto tinha como nome HipHop and Civic Engagement, tendo sido a única cantora moçambicana a representar o Hip-Hop moçambicano naquele fórum.

Durante aquele ano, a jovem foi, também, docente na Universidade Nachingwea.

Depois de ter sido nomeada em 2009, Ivete ocupou o cargo de Directora Executiva da AMMCJ até 2012. Naquele período, orientou a organização na advocacia em prol dos Direitos Humanos das mulheres e crianças; advocacia para aprovação de leis na Assembleia da República; nas actividades de assistência jurídica e apoio judiciário. Ainda em 2012, tornou-se advogada na Liga dos Direitos Humanos, função que desempenhou até 2014.

Juntamente com Morreira Chonguiça, Iveth integrou o projecto musical – “Projecto 100% cool” – onde a sua mensagem foi dirigida para jovens no contexto de sensibilização relativamente à HIV-SIDA, de forma a consciencializar da necessidade de protecção nas relações sexuais.

O gosto pela poesia foi manifestado em 2014. A artista foi co-autora do livro “Perifeminas II – Sem Fronteiras”. Concebido pela Frente Nacional de Mulheres no Hip-Hop Brasil, a obra é uma compilação de poesias, contos, desabafos e relatos das mulheres que fazem parte da cultura Hip-Hop. O livro foi lançado no Brasil.

No mesmo ano, tornou-se, também, mestranda em Pedagogia do Ensino Superior pelo ISCTEM, local onde é docente. Naquele ano também realizou várias actividades: advogada residente do programa radiofónico Consultório Jurídico Rádio Índico; Assessora Jurídica e Chefe de Departamento de Apoio à Projectos na Direcção Científica, na Reitoria da UEM. E foi painelista em dois debates, promovidos na capital moçambicana, um pela Comunidade de Língua Portuguesa e outro pela Faculdade de Direito da UEM, onde é docente.

Em 2015, tornou-se mestranda em Direitos Humanos pela UEM. No ano seguinte, festejou a obtenção do grau de Mestre em Direitos Humanos. No dia da Cerimónia de Graduação, Ivete não conseguiu conter-se e a sua felicidade transbordou para as redes sociais, partilhando o momento com os seus fãs por meio de um post. Ainda em 2016, ascendeu ao cargo de Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique. E passou, também, a ser Formadora no Curso de Formação dos Magistrados do Ministério Público.

“Para conciliar as actividades, separo a Ivete artista e Ivete advogada. Durante a semana sou advogada e aos fins-de-semana, à noite, sou rapper. E faço de tudo para que nenhuma actividade prejudique a outra, porque gosto de todas.”

Ainda sobre esta separação, uma vez os estudantes do ISCTEM pediram que Iveth fizesse um Freestyle, e em nome da distinção Ivete disse-lhes que naquele momento não era possível fazer e prometeu que faria na festa de fim do ano. Os estudantes acabaram compreendendo. Bom! A revista Biografia irá esperar pelo Freestyle, enquanto partilha, depois do próximo parágrafo, a letra da música “Amiga”, um dos temas de Iveth que fez muito sucesso.

Ficou por ser escrito

Em 2006, Ivete foi considerada melhor estudante no projecto de “Férias Desenvolvendo o Distrito”, distrito de Moma, Nampula. Em 2007, foi vencedora do maior concurso africano de Direitos Humanos – Moot Court Competition em Senegal – Dakar e Saint Louis, juntamente com Américo Marindze, com os prémios de melhor equipa e melhores alegações para a lusofonia. Foi articulista na obra “Género e Direitos”, lançada em 2010, pelo Departamento de Sociologia da UEM. “Minha prisão é a liberdade de expressão” é uma das suas frases favoritas.

Referências Bibliográficas

“Iveth hip-hop no género”. ÍDOLO [cidade de Maputo] 2009: pág. 40-41. Impresso.

Notícias [consult. 2016-06-24 22:35:08]. Disponível na Internet: http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/caderno-cultural/18634-entrevista-ivete-mafundza-historias-do-hip-hop-com-normas-juridicas

Debate, 2015 – 2016 [consult. 2016-06-24 21:23:01]. Disponível na Internet: http://www.debate.co.mz/mais/musica/entrevistas/1431-entrevista-com-a-cantora-e-jurista-mocambicana-temos-que-acarinhar-a-justica-para-que-a-sociedade-se-sinta-segura

Moz`Art, 2015 – 2016 [consult. 2016-06-24 21:32:01]. Disponível na Internet: http://mozart.spla.pro/pt/file.person.ivete-mafundza-iveth.32742.html

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@Verdade [consult. 2016-06-25 20:45:34]. Disponível na Internet: http://www.verdade.co.mz/cultura/16062-iveth-uma-rapper-de-causas

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PINN [consult. 2016-06-26 16:08:27]. Disponível na Internet: http://portugueseindependentnews.info/2014/03/06/cantora-mocambicana-iveth-lanca-livro-brasil/

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About Author /

É jornalista e webdesigner desde Setembro de 2013. Na sua caminhada jornalística, está registada sua passagem pelo jornal O Nacional; Revista ÍDOLO, onde chegou a desempenhar as funções de editor executivo; para além de ter sido oficial de marketing digital na Ariella Boats. Foi, também, jornalista correspondente da Revista MACAU, em Moçambique. Actualmente é jornalista do jornal Notícias. É, desde 2020, licenciado em jornalismo, pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Sua caminhada no mundo do empreendedorismo digital iniciou com o lançamento da plataforma Biografia, em 2016. É também, o fundador do site evangelístico Chave de Davi, em 2018; e da loja online O Ardina Digital. Todos projectos foram concebidos ao lado do seu amigo Deanof Potompuanha.

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