Revista Biografia

Coach Doggy

Começou a sua caminhada entre nós, aqui na Matola. Hoje está entre os portugueses. É como se tivesse nascido para torcer pepinos. Leva jeito para trabalhar com escalões de formação. Começou a sua carreira de treinador de basquetebol reunindo crianças e pondo-as a correr num pavilhão multiuso da Escola Secundária da Matola. Ele e as crianças acordavam por volta das 4:00 horas para treinar.

Fruto desse trabalho surgiu um celeiro na Matola. Algumas dessas crianças ficaram pelo caminho, outras estão a evoluir na América, Portugal, e outras em competições nacionais.

É conhecido pelo pseudónimo Coach Doggy. Mas o seu nome é Ernesto Jamisse Nhalungo. Nasceu a 30 de Agosto de 1985, em Maputo. Já que se está a falar de basquetebol, pode-se dizer que os seus pais trouxeram à vida uma equipa de basquetebol (incluindo os seus suplentes), pois nasceram 12 filhos. Falando em género, são nove filhos e três filhas.

A família cresceu na cidade da Matola, perto do Tribunal. Os nomes dos seus pais são Jamisse Fernando Nhalungo e Laura da Conceição Maleiane. O pai era juiz presidente e a mãe era comerciante. Era uma família economicamente estável e regrada.

Entre os 12 filhos, Ernesto, o oitavo da casa, era o rebelde. Ainda em tenra idade, quando estava na creche São Gabriel, apaixonou-se por uma colega (coisa de criança) e por conta disso quando atingiu a idade de sair da creche recusou-se a sair, porque a amiga ainda não tinha atingido a idade para sair da escolinha.

Os pais procuraram fazer-lhe entender que já era hora de ingressar para escola primária, mas Ernesto não quis saber. Ele queria continuar na escolinha para estar na companhia da sua amiga. Assim, esperou por um ano, tempo que faltava para sua amiga atingir a idade para ingressar à escola primária.

A infância de Ernesto é caracterizada como boa. O ambiente na família era de muita irmandade. As brincadeiras mais frequentes eram jogos de futebol na rua, mais conhecido como balizinhas; correr empurrando pneu; e sair de bicicleta em grupo.

Ernesto entrou para escola primária pela porta da Escola Oficial Matola-Sede. Esteve naquela escola até à terceira classe. Depois foi viver para Quelimane, onde o pai estava em missão de serviço. Em Quelimane, repetiu a terceira classe e fez a quarta classe. Quando voltou para Maputo, após o pai reformar, repetiu a quarta classe e depois prosseguiu naturalmente com os estudos. Não repetiu as classes por ter reprovado, mas por causa das movimentações.

Depois de concluir a sétima classe decidiu fazer o ensino técnico-profissional na Escola Industrial da Matola. Escolheu o curso Aduaneiro. Não era o que queria, mas era o curso que poucos ousavam concorrer, pois temiam-no e preferiam contabilidade. Ernesto viu nisso a oportunidade de ingressar facilmente no instituto. Na escola, Ernesto dominava ciências exactas. Era fácil estudar matemática, física, e química.

Depois de concluir o curso de aduaneiro começou a trabalhar na Alice Teixeira e, a seguir, com o despachante aduaneiro Arlindo Pondja. Durante esse seu contacto com o trabalho, decidiu voltar à escola.

Contudo, não havia Licenciatura para o curso de aduaneiro, era necessário fazer Economia. Acabou ficando baralhado porque não era o curso dos seus sonhos e optou por ir ao ensino secundário fazer a 11.ª e 12.ª classe.

Paixão pela música

O pseudónimo Doggy, pelo qual é conhecido, surgiu da sua paixão pela música. Ele era fã de Snoop Doggy. Ele era apaixonado pela música, sobretudo rap. A sua adolescência foi dominada por essa paixão. Ernesto chegou inclusive a trançar cabelo. Os seus pais não admitiam. Ele escondia com gorro.

Aquele amor pela música foi incentivado pelos primos. Ernesto caminhava da cidade da Matola até Tandavato, onde juntava-se aos primos para alimentar o seu amor pela música. Os primos escreviam letras para ele cantar. Saíam para ir fazer Shows. Isso aos seus 12, 14 anos de idade.

Carreira desportiva

A carreira de Doggy começa como jogador. Uma das coisas que o fez levar muita porrada foi o basquetebol. Ele ia à escola e depois ao parque dos poetas. Antes do centro comercial, havia um recinto onde se jogava basquetebol.

Doggy ia lá assistir aos jogos. Ele era um apanha bolas. Mas um dia ele fez um bom passe. Rui, uma das pessoas com voz activa no recinto, chamou-lhe para jogar. Ele jogou daquela forma como fizera o passe e Rui decidiu enquadra-lhe numa equipa dele.

Na altura, tinha 15 anos de idade e foi evoluindo como jogador de basquetebol. Ele frequentava os treinos e dedicava-se. Edson Rangel deu-lhe instruções básicas do basquetebol e incentivou-lhe. Doggy começou a jogar também na escola e começou a não entrar na sala de aula por causa do basquetebol; e acabou sendo esse comportamento que levou os pais a não gostarem do seu envolvimento com a modalidade.

Aos 17 anos de idade, foi para o clube Académica, onde jogou por um ano. Depois treinou por três meses no Ferroviário de Maputo, antes de seguir para o Desportivo Maputo, onde terminou os meses que faltavam naquela época. Doggy foi campeão naquela época, em juniores, prova disputada na cidade de Quelimane.

Quando atingiu a idade para jogar nos seniores, passou a jogar para o Matolinhas. Foi nessa altura, por volta de 2005, que começou a reunir crianças para dar treinos para “mini-basket”. Isso acontecia no clube do Fomento.

O falecido Tive Chongo abriu-lhe um caminho para participar nos campeonatos de “mini-basket” na cidade Maputo. Chongo era um homem que movimentava o basquetebol na província de Maputo.

Doggy levou a primeira equipa para aquela competição. Daquele primeiro grupo saíram jogadoras que hoje estão nos Estados Unidos de América, Portugal, outras a jogar a alto nível em Moçambique.

Foi depois de levar aquele primeiro grupo a competir que começou a paixão pelo basquetebol como treinador. O técnico do Matolinhas aconselhou-lhe a decidir entre ser jogador ou ser treinador, porque era necessário que Doggy treinasse muito para poder jogar.

Sucede que Tive Chongo dava-lhe um subsídio de 500 meticais por ele treinar as criancinhas do “mini-basket”. Para Doggy era melhor ter aquele dinheiro do que não ganhar nada jogando. Então falou com técnico do Matolinhas. Agradeceu-lhe pelo conselho e despediu-se, argumentando que preferia continuar como treinador, pois lá pelo menos ganhava alguma coisa.

Depois daquela decisão, Ernesto apostou na carreira de treinador. Precisava fazer valer a escolha. Foi aliando a escola e o basquetebol, estava fazendo o curso de aduaneiro, naquela altura. A seguir aliou o trabalho e o basquetebol.

Não tardou, começou o conflito entre o trabalho como aduaneiro e o basquetebol. Ele ficou sem tempo para orientar treinos. Deixava instruções e ia trabalhar. Mas um dia Doggy preferiu abrir mão do trabalho e apostar no basquetebol. Foi uma loucura!

Um dia ele ia trabalhar, mas passou do local do treino, no pavilhão multiuso da Escola Secundária da Matola. Eram 6:25 horas. Nesse dia ele não entrou, ficou a observar as miúdas treinando sozinhas.

Enquanto observava, ele pensou: “aduaneiro é um trabalho e recebo, mas não gosto e se a empresa vai abaixo vou procurar outro sítio; mas eu amo o basquetebol”. Ele ficou muito tempo no carro observando o treino das meninas. E depois disse para si mesmo: que se lixe. E naquele momento tirou a gravata, tirou a camisa dentro das calças, saiu do carro e foi dar treinos.

Doggy mandou uma mensagem para Arlindo Pondja, dizendo que não podia continuar mais a trabalhar e que estava sem tempo. E desde aquele dia ele apostou dizendo: “ou basquetebol leva-me para vida ou nunca me levará para nenhum sítio”.

Assim começou a aventura corajosa. Iniciou como trabalho individual. Reunia as crianças de várias idades e dava treino. Não o fazia para perceber para onde ele ia com aquilo, apenas dedicava-se. Apesar de ser um trabalho individual, competia como Matolinhas, pois ele não tinha estatutos.

As crianças foram crescendo e para manter a equipa precisava de ter condições financeiras. Precisava de dinheiro para alugar transporte para levar a equipa para os jogos. Contribuíam para comprar lanche. Acabou ficando desgastado.

Surgiu Nasir Salé, então treinador da Liga Desportiva de Maputo. Salé encontrou-lhe com as crianças e pediu que lhe desse uma equipa de masculino e outra feminina. E Doggy passou a ser um dos treinadores de Nasir Salé. Contudo, não chegaram a um acordo profícuo, Doggy viu o tempo passando e as miúdas só a treinar.

Ernesto optou por despedir-se de Nasir, e levou os seus jogadores para o Ferroviário de Maputo. Contou com a ajuda de Leonel Manhique (coach Mabê) para esse efeito. Doggy trabalhou no Ferroviário por quatro anos (2013 – 2017).

No Ferroviário de Maputo, Doggy era treinador de “Iniciados C”. Depois subiu para “Iniciado B”, “Iniciado A”, “Juvenil B”, “Júnior”, e chegou a treinador de “seniores”. Quando Mabê estava no Ferroviário das Mahotas, Doggy trabalhava com o Ferroviário “A”.

Doggy e Mabê caminharam juntos em outros certames como treinadores, deixando marcas no que respeita às camadas de formação.

Antes dos anos de glória, Doggy experimentou momentos duros como treinador. Quando chefe Lúcia convidou-lhe para ser treinador da selecção da Província de Maputo, para os jogos escolares de 2011, ficou em quinto lugar.

Em 2013, Doggy e Mabê foram campeões no torneio juvenil entre escolas secundárias, denominado “BasketShow”. Foram campeões pela Escola Secundária da Zona Verde. Doggy estava com a equipa feminina.

Aquele era o ano dos jogos escolares também. Daquela vez, Doggy foi quem treinou as jogadoras que iam competir. A Mabê e Doggy juntou-se o técnico Horácio, e ficou um trio. Mabê e Horácio eram os treinadores da Província de Maputo, masculino e feminino, respectivamente. Doggy era assistente, pois ele é que trabalhava com as jogadoras. Foram todos juntos para os jogos escolares de Tete, e foram campeões em masculinos e femininos.

Uma das obras de Doggy que mais chamou atenção das pessoas deu-se em 2013. Ele apresentou uma coreografia de basquetebol com 24 crianças. A apresentação foi feita na cerimónia de abertura do “Afrobasket” feminino, que apurou Moçambique ao Campeonato do Mundo. Aquela coreografia foi um espectáculo e foi muito comentada.

A vice-ministra da Juventude e Desportos, Ana Flávia, convidou-lhe para apresentar a coreografia, em 2015, na abertura dos jogos escolares de Cabo Delgado. Daquela vez, a coreografia de basquetebol foi apresentada num campo de futebol. O evento contou com a presença do Presidente da República, Filipe Nyusi.

Doggy foi tendo muitos sucessos ao nível das camadas de formação. Como treinador, destacava-se em iniciados, “mini-basket”, juvenil e como treinador dos juniores.

E em 2015, foi convidado para ser treinador-adjunto da Selecção Nacional Feminina de sub-16. A Selecção era treinada por Lucília Caetano, e estava a preparar-se para uma competição em Madagáscar.

Ernesto Nhalungo tinha uma página no Facebook “Pai do Basquetebol”. Nessa página, ele publicava as suas obras. A página chamou atenção de José Leite, um empresário português que tem uma equipa de basquetebol em Portugal. E um dia, o empresário que vinha cuidar das suas empresas em Moçambique, decidiu procurar esse tal Pai do Basquetebol, pois tinha falta de treinadores no seu clube.

Encontrou-lhe no pavilhão do Maxaquene, treinando a Selecção Nacional sub-16. Conversaram e depois ele disse-lhe que estava a procura de um treinador para dar uma oportunidade de fazer uma formação de nível I, durante um mês na Europa. E Doggy reagiu dizendo que era um dos desafios que tinha traçado para sua vida. Então ele prometeu ir à Madagáscar ver-lhe a orientar a Selecção.

Doggy não o levou a sério. Mas ficou surpreso, porque no terceiro dia da competição o empresário estava em Madagáscar. Depois do jogo contra Egipto, uma partida em que a Selecção ganhou e conseguiu o apuramento para fase seguinte, o empresário disse-lhe é você mesmo que preciso para fazer a formação. Prometeu também contratar-lhe para equipa dele caso tivesse sucesso na formação.

O empresário disse-lhe que queria que introduzisse aquela maneira de trabalhar nas crianças de Portugal. Ele não queria que ele mudasse nada, era para levar aquela filosofia de trabalho para Portugal. E Ernesto aceitou o desafio. Após os trabalhos na Selecção sub-16, a 4 de Setembro, Doggy chegou a Portugal pela primeira vez.

Carreira em Portugal

Já em Portugal, Ernesto foi à margem sul. Foi lá onde fez o seu primeiro curso de treinador de basquetebol. Iniciou o curso no mesmo dia em que chegou da viagem. No quarto dia, Ernesto já era usado como exemplo para alguns exercícios. Doggy foi o segundo melhor aluno do curso, com média 17.

Depois da formação, Ernesto foi contratado para trabalhar na CRC Quinta dos Lombos. Nas três primeiras épocas, entrou como treinador de Sub-16 e adjunto de sénior. E na quarta época, ficou treinador de Sub-14 e adjunto de sénior.

Na sua primeira época como treinador, Quinta dos Lombos sagrou-se campeão distrital Sub-16, pela primeira vez na história do clube. E também, pela primeira vez, Quinta dos Lombos sagrou-se vice-campeão nacional.

No segundo ano não houve sucessos. Contudo, no terceiro ano, pela primeira vez na vida do clube, Quinta dos Lombos sagrou-se Campeão Nacional Sub-16. E no quarto ano, novamente pela primeira vez na história do clube, Campeão Distrital Sub-14, e agora disputa o primeiro acesso à fase nacional.

Segredo

Doggy não se poupa. Sai do treino como se fosse ele quem estava a treinar. É um treinador dedicado, investiga, e gosta de ouvir os atletas. Uma das primeiras coisas que procura montar numa equipa é familiaridade para que haja união e coesão.

A filosofia da qual falou-lhe o empresário em Madagáscar tinha a ver com a sua atitude, entrega, paciência, garra, intensidade ao dar treino, ritmo de jogo, e atenção para todas atletas.

Rotina de Ernesto em Portugal

A vida de Ernesto em Portugal é preenchida de trabalho. Ele sai de casa por volta das 6:00 horas, porque tem um grupo de jogadoras americanas que actuam na equipa e Doggy é quem faz os trabalhos técnicos com elas.

Mas primeiro, Ernesto faz manutenção do pavilhão – limpeza do pavilhão – (das 6:30 horas até as 13:00), foi uma forma que arranjou para ganhar um valor extra. Há uma interrupção entre as 8:30 e 11:00 horas para dar treinos individuais. Ou seja, das 6:30 às 8:30 horas faz a manutenção; das 9:00 horas até as 11:00 horas, dá treinos individuais às americanas; e das 11:00 horas até às 13:00 horas, cuida da manutenção.

Depois disso, volta para casa para preparar o treino. As 17:00 horas vai ao pavilhão treinar a equipa dele. E às 19:00 horas trabalha com a equipa sénior feminina como treinador ouvinte (fica de fora, e ajuda a equipa técnica quando necessário) e sai de lá por volta das 23:00 horas. A rotina dele é geralmente assim.

Planos de Ernesto

Concluir a sua formação como treinador é o plano principal. Actualmente está fazer II nível e deseja ir até ao III nível. Quer também formar-se academicamente, fazendo Licenciatura em Ciências do Desporto, na Universidade de Lisboa.

Ernesto Nhalungo é pai de um filho, Nicolás Ernesto Nhalungo, e esposo de Daniela Luísa Machiana. Eles viviam em Maputo e eram visitados pelo pai, mas este ano (2019) estão em processo de mudança para Portugal.

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É jornalista e webdesigner desde Setembro de 2013. Na sua caminhada jornalística, está registada sua passagem pelo jornal O Nacional; Revista ÍDOLO, onde chegou a desempenhar as funções de editor executivo; para além de ter sido oficial de marketing digital na Ariella Boats. Foi, também, jornalista correspondente da Revista MACAU, em Moçambique. Actualmente é jornalista do jornal Notícias. É, desde 2020, licenciado em jornalismo, pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Sua caminhada no mundo do empreendedorismo digital iniciou com o lançamento da plataforma Biografia, em 2016. É também, o fundador do site evangelístico Chave de Davi, em 2018; e da loja online O Ardina Digital. Todos projectos foram concebidos ao lado do seu amigo Deanof Potompuanha.

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