Revista Biografia

Josina Muchanga

Um mês e cinco dias após a Independência Nacional, a 30 de Julho de 1975, Maria Mungone Nhamukume deu à luz a sua terceira sorte. Isso aconteceu no Hospital José Macamo, na Cidade de Maputo. Na altura, havia naquele hospital uma parteira portuguesa, que se identificava com a causa independentista. A parteira sugeriu à Maria que atribuísse nome de Josina à filha que acabara de nascer.

Josina é o nome de uma heroína moçambicana. Ela teve um papel activo na Luta de Libertação Nacional de Moçambique e na luta pela emancipação da mulher. O dia da morte de Josina, 7 de Abril, é celebrado como o Dia da Mulher Moçambicana. É dos únicos feriados em que de facto o povo moçambicano reúne-se para comer, beber e dançar pois, nos outros feriados cada um fica na sua casa a espera do dia passar.

Maria Nhamukume e o seu esposo António Macaiene Sitole aceitaram a sugestão da parteira. E a sua filha foi registada com o nome de Josina António Sitole.

Na altura do nascimento de Josina, António era um funcionário dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM). Ele fazia manutenção da linha féria. E Maria era camponesa. A família residia em Chamanculo. António coabitava com a família do irmão, até que arrendou uma casa na célula “C”, na Machava, na Matola. Aos 12 anos de idade de Josina, António obteve um terreno na Liberdade, na Matola, onde construiu a casa da família.

Entre os seus 10 irmãos, dois dos quais homens, Josina era a mais próxima da primogénita Ana Sitole (falecida). Uma das principais brincadeiras resumia-se em moer areia. Pegavam nas cascas de coco, colocavam areia dentro, molhavam com água e moíam com um pauzinho até ficar em forma de papa. Na verdade, a brincadeira delas na altura tinha a ver com a cozinha… Cozinhar com areia.

Aquelas brincadeiras eram influenciadas pelo facto das mais velhas da casa gostarem de moer. E aquelas brincadeiras acabaram fazendo delas mulheres sem preguiça de moer quando ficaram crescidas. Fez delas também, mulheres talhadas na cozinha, sobretudo na gastronomia da terra.

Aos seis anos começou a estudar, entrando na Escola Primária da Machava-Sede. O seu primeiro contacto com a escola foi difícil. Tinha medo de levar porrada com os professores. Tinha essa ideia na cabeça, que na escola batiam. Mas com o andar do tempo aquela ideia acabou evaporando e passou a gostar de escola.

A professora Laurentina fez um trabalho marcante na vida de Josina. Laurentina foi sua professora na 3.ª classe. Ela era uma leccionista simpática e encorajava os seus alunos a se envolverem com os estudos. A professora procurava também criar um bom ambiente nas suas aulas.

Na época, o ensino primário terminava na 5.ª classe. Concluído o básico, foi à Escola Secundária da Machava, onde fez a 6.ª classe. Depois, os seus pais tiveram dificuldades financeiras para suportar os seus estudos. O pai recebia cerca de 2 500 meticais, e com esse dinheiro tinha de se virar a ponto de garantir o básico para sua família com um agregado de 10 filhos e sua esposa. E o pai de Josina acabou por perder o emprego nos CFM.

Veia vendedora

Tempos difíceis chegaram na família de António, após perder o emprego. Ele era o provedor da casa. Maria Nhamukume, a esposa, levantou-se e pegou duas filhas consigo. Josina começou a vender “matoritori” (doce de coco ralado) e laranja. Vendiam no Xipamanine, um mercado situado nos arredores da cidade de Maputo.

Enquanto a esposa e as filhas vendiam, António não cruzava os braços, andava nas zonas em que havia machambas (terras agrícolas) e oferecia-se para capinar, e pelo serviço cobrava um certo valor.

O negócio de matoritori e laranjas corria bem no mercado Xipamanine. A cada dia conseguiam vender tudo. E assim conseguiam ter dinheiro para suprir as necessidades básicas da casa.

Elas acordavam muito cedo. Até às 3:30 horas da madrugada deviam estar num carro que transportava as pessoas da Liberdade até Xipamanine. Caso atrasassem não encontrariam o carro. Elas chegaram a atrasar duas vezes, e tiveram de ir a pé de Liberdade até Xipamanine, com latas de laranja na cabeça. Elas entraram pelo Estádio da Machava, Junta, Vulcano, e de lá chegaram a Xipamanine (bem… é um atalho).

Naqueles dois dias, Josina carregou uma lata de laranja, Ana carregou duas, e a mãe carregou três. E assim caminharam a pé.

Contudo, com o fluir daquele negócio muita coisa mudou em sua casa. Para além de garantir alimentação, Maria conseguia comprar material escolar para as irmãs mais novas de Josina. Há que salientar que a comida na altura não era muito cara. Cinco meticais eram suficientes para comprar couve e outros ingredientes para a refeição de um dia.

A casa de António e Maria era de caniço (material rudimentar). Não obstante ser Tipo 2, chegava para o casal e mais 10 filhos. Os rapazes dormiam no quarto, as oito meninas dormiam na sala, e o casal dormia no seu quarto. Ao acordar, havia uma divisão de tarefas, uns variam o quintal, outros lavavam a louça, outros cozinhavam e variam a casa. Porém Josina, Ana e a mãe dedicavam-se ao comércio.

Josina e Ana dedicavam exclusivamente ao negócio porque ao voltar do mercado Xipamanine tinham de ir procurar laranjas para vender no dia seguinte.

Casamento

O casamento de Josina foi à moda antiga. Para quem conhece a bíblia, pode lembrar-se do casamento de Isaque, filho de Abraão.

Assim foi o casamento de Josina.

Estando Octávio Carlos Muchanga na África do Sul, os seus pais em Maputo apreciaram e gostaram de Josina. Os progenitores disseram para si mesmo que Josina era uma boa mulher para ser nora. E procuraram pelos pais dela, estes que enviaram Josina para casa dos pais de Octávio.

Ao chegar lá, Josina foi abordada pelos pais de Octávio sobre o desejo que eles tinham. E Josina aceitou ser nora. Ela nem conhecia o esposo, pois ainda estava na África do Sul. Os pais de Octávio fizeram a apresentação e o lobolo. Só depois dessas duas cerimónias, Octávio voltou da África do Sul. E quando chegou, os pais apresentaram-lhe à esposa e ele tomou a sua mulher e casaram-se.

O casamento aconteceu a 25 de Agosto de 1990. Ela passou a chamar-se Josina António Sitole Muchanga. Numa primeira fase, o casal viveu em casa dos pais, até terminar de construir a sua casa. Aliás, Josina vivia em casa dos pais de Octávio, isto porque Octávio passava a maior parte do tempo trabalhando na vizinha África do Sul.

Octávio era serralheiro nas terras de Madiba. Durante a fase da guerra civil (até 1994) Octávio viajava para Maputo de nove ou seis em seis meses, porque era arriscado viajar da África do Sul para Moçambique. Depois que a guerra civil terminou passou a ir para Maputo com mais frequência.

Após alguns anos, Octávio conquistou um emprego. Ele passou a trabalhar nas minas, onde o pai também estava.

Em Maputo, Josina continuou a vender. Ela vendia couve com a mãe do seu esposo. Elas vendiam no mercado da Machava. Depois que teve o seu primeiro filho, em 1991, vendeu até 1993. Abandonou o negócio quando o seu esposo começou a trabalhar nas minas. O esposo dela enviava dinheiro para ela.

Em 2002, a casa do casal ficou pronta. Josina e seus filhos (4) passaram para a nova casa. Acabou por não se acomodar em estar como dona de casa apenas, decidiu começar a vender capulanas. E mais tarde, em 2009, Josina abriu uma mercearia.

Regresso do esposo e abertura da Xikhaba

Octávio teve um acidente de trabalho em 2010 e acabou por voltar para Moçambique. O negócio da mercearia não estava correndo bem, pois as pessoas iam fazer rancho e no fim do mês não pagavam. Estando Octávio desempregado e o negócio não correndo bem, houve a necessidade de se pensar num novo comércio para garantir a estabilidade financeira da família.

Haviam duas ideias sobre a mesa, uma era manteiga de amendoim e outra era produção de chamussas. Aconteceu que indo Josina ao hospital para pesar o filho, ouvia as médicas aconselhando as mães a torrar amendoim para preparar a papa das crianças. E quando Octávio disse vamos escolher uma coisa que vai nos dar o pão de cada dia, na mente de Josina vinha aquele conselho, então optou por manteiga de amendoim.

O casal concordou em apostar na manteiga de amendoim, no lugar onde era mercearia. Eles atribuíram o nome de “Xikhaba” e arrancaram com o projecto, em 2010.

Na altura, não tinham máquinas. Eles compravam um saco de amendoim e levavam todo dia para torrar aquele saco. Josina utilizava panela. Torrava o amendoim com panela. Depois descascava o amendoim com as mãos. Octávio acabou tendo a ideia de comprar uma máquina para descascar, isso aliviou o peso para a sua esposa.

Contudo, Josina começou a ficar cansada de torrar com a panela. Então, Octávio, usando habilidades dos seus bons tempos de serralharia, fez um tambor que torrava 25 quilos em 30 minutos. Depois de processar metiam nos frascos e saiam à rua para vender. Metiam numa bacia e vendiam nos mercados.

Antes de ter o tambor, houve um dia em que a coluna de Josina ficou inchada por ficar muito tempo torrando amendoim na panela, e foi parar no hospital. O tambor aliviou o sacrifício que ela tinha de fazer para a produção da manteiga.

O esposo também sai e procurava bater portas para impulsionar o negócio. Até que, por volta de 2011, a gain, uma organização não-governamental, viu uma imagem de preparação da manteiga de forma rudimentar e decidiu ajudar.

A organização reabilitou o estabelecimento e doou equipamento necessário para produção da manteiga. Depois deram acompanhamento para ajudar a empresa a crescer.

A “Xikhaba” tem actualmente seis trabalhadores e 20 promotores. Procura vender o seu produto em instituições, encomendas e coloca-os em vários mercados.

Josina Muchanga é testemunha de Jeová, desde 1990. Através da sua fé aprendeu a respeitar o seu esposo e a comunidade. A outra coisa que também aprendeu é servir. Por volta das 15:00 horas, ela termina o seu trabalho na “Xikhaba” e vai evangelizar, entrando em casas para falar a Palavra ou estudar a bíblia com mais alguém.

Seus passatempos são ouvir músicas da sua igreja. As músicas das Testemunha de Jeová, pelo menos em Moçambique, não são muito conhecidas fora daquele meio religioso.

Josina, dona de casa

Ela chega a casa por volta das 17:00 horas. Não costuma cruzar os braços, antes procura ver o que a sua filha de 14 anos de idade não conseguiu fazer. Vezes há em que chega a casa com o marido, outros dias não. Depois que cobre o que a filha não conseguiu fazer, Josina sossega.

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É jornalista e webdesigner desde Setembro de 2013. Na sua caminhada jornalística, está registada sua passagem pelo jornal O Nacional; Revista ÍDOLO, onde chegou a desempenhar as funções de editor executivo; para além de ter sido oficial de marketing digital na Ariella Boats. Foi, também, jornalista correspondente da Revista MACAU, em Moçambique. Actualmente é jornalista do jornal Notícias. É, desde 2020, licenciado em jornalismo, pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Sua caminhada no mundo do empreendedorismo digital iniciou com o lançamento da plataforma Biografia, em 2016. É também, o fundador do site evangelístico Chave de Davi, em 2018; e da loja online O Ardina Digital. Todos projectos foram concebidos ao lado do seu amigo Deanof Potompuanha.

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