Revista Biografia

Noémia de Sousa

Ela é a “mãe dos poetas moçambicanos”. Três anos de escrita foram suficientes para ela conquistar esse título. Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares é o nome dela. Nasceu do outro lado da então cidade de Lourenço Marques, em Katembe, numa casa que estava bem pertinho do Oceano Índico. Respirou o oxigénio da terra pela primeira vez a 20 de Setembro de 1926.

Falar de 1926 é conversar de uma altura em que Moçambique era colónia portuguesa. Era uma grande ilusão grande pensar que Moçambique viria a ser um país independente. Nessa altura, havia conflitos raciais. Havia branco e preto. E o branco explorava o preto. E isso já começava a ser contestado em jornais de alguns brancos ou mestiços com compaixão pelos pretos.

O pai de Noémia era originário de uma família luso-afro-goesa da Ilha de Moçambique. E a mãe foi nascida em Bela Vista, para lá da Catembe, e era filha de um chefe ronga, Belenguana, que se tinha juntado à um alemão.

Aos quatro anos, Noémia aprendeu a ler. O seu pai foi quem lhe ensinou. O pai era funcionário público e convivia com ideais de progresso, defendidos por Estácio Dias (pai de João Dias) ou os irmãos Albasini.

Noémia viveu em Katembe até aos seus seis anos, altura em que se mudou para a cidade de Lourenço Marques. Dois anos depois, o seu pai morreu. A mãe experimentou dificuldades para sustentar seis filhos, dois deles que estavam a estudar em Portugal, com a ajuda da tia paterna.

Com 16 anos de idade, Noémia teve de começar a trabalhar. De dia trabalhava, de noite ia à Escola Técnica, onde frequentava o curso de comércio.

O talento para escrita começou a ser praticado fazendo jornais de parede com os irmãos. Depois Noémia foi convidada a colaborar para o jornal da Mocidade Portuguesa. O convite chegou-lhe por via do mano Nuno, que tinha um amigo chamado Antero, que fazia parte do grupo que editava o jornal, sob direcção do poeta Virgílio de Lemos.

Noémia aceitou o convite e provocou um alvoroço. Ela escreveu “Poema ao meu irmão negro” e assinou com as letras N.S. Era preciso ter uma coragem muito fora do comum para escrever tal coisa no tempo colonial. Tanto mais que se procurou saber, na altura, quem era N.S? Noémia sabia que não podia ser descoberta, por isso usava pseudónimos. Primeiro assinou N.S, depois passou a assinar com o nome de Vera Micaia.

Existiu, na altura, o projecto Itinerário, onde colaboraram muitos dos poetas. E o funcionário dos CFM, Cassiano Caldas, tinha uma relação com aquele projecto e por meio dele teve contacto com Noémia de Sousa. Deu-lhe a conhecer a revista Vértice. Foi naquela revista onde Noémia leu, pela primeira vez, a poesia de Nicolás Guillén, poeta cubano.

Depois leu muitos livros sobre a vida dos negros americanos em tradução brasileira e viu que havia semelhanças entre o que acontecia com os negros americanos e os negros moçambicanos. Cassiano Caldas deu-lhe também livros de escritores neo-realistas portugueses.

Por aquelas alturas, Noémia começou a ter conversas com outros jovens que despontavam para as artes e letras em Moçambique: Ruy Guerra, Ricardo Rangel, entre outros. E João Mendes uniu jovens e utopias, ajudando a mapear uma nova realidade, distante da estratificação racial. Eram jovens da Mafalala.

Noémia iniciou a sua colaboração com “O Brado Africano”  quando se procurava terminar o projecto da Associação Africana. Ela publicava poemas na página feminina de “O Brado”.

A poetisa sempre preferiu publicar em jornais os seus poemas. Recusava publicar livro, porque para ela publicar seus poemas no jornal tinha mais impacto. Os jornais chegavam nas mãos dos negros moçambicanos a quem ela queria despertar e abrir os olhos, enquanto o livro não chegaria a eles.

O governo colonial censurava jornais que denunciavam exploração dos negros. Então Noémia, ao lado de João Mendes, homem que unia jovens da Mafalala, participou nas actividades do MUD-Juvenil, que distribuíra panfletos à noite. Neles, estavam escritos artigos cortados pela censura.

Com José Craveirinha, seu conterrâneo do bairro de Mafalala, criou o movimento Negritude, influenciado pelo neo-realismo português. A exaltação dos valores africanos contra o racismo da metrópole era o ponto em comum de suas produções intelectuais. Na poesia “Súplica”, Noémia sintetiza dizendo que o mundo é um tabuleiro de xadrez. Ou seja, é uma luta dos pretos contra os brancos.

Por causa dessas acções, Noémia de Sousa não escapou das garras da PIDE. Noémia foi presa, Processo 2756 CI (2). PIDE era uma polícia bastante temida. Em 1951, Noémia fugiu para Portugal, encorajada por Mário de Andrade.

Em Lisboa, Noémia encontrou a “geração da utopia”, que buscava independência de África. Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos, Lúcio Lara, Agostinho Neto, Francisco José Tenreiro eram os nomes mais conhecidos da intelectualidade africana em Portugal, na altura. E Noémia trabalhou com eles, era companheira de jornada dos nacionalistas.

A PIDE cercou aqueles jovens nacionalistas. Noémia e a “geração da utopia” fugiram para Paris, França. Ela estava com uma filha nas cotas, Virgínia Soares. Saltou a fronteira, galgou os Pirinéus e alcançou a liberdade. Casou-se em 1962 com o poeta Gualter Soares. Em Paris, trabalhou na embaixada de Marrocos até 1973, altura em que voltou para Portugal para trabalhar na agência Reuters.

Entretanto, os problemas de Noémia com o poder colonial só acabaram em 1975, quando o regime salazarista chegou ao fim em Portugal. Durante o conflito de libertação, ela chegou aderir à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), mas depois acabou se afastando. Finalmente, a partir da Independência, ainda em 1975, sua produção poética passou a ser estudada nas escolas moçambicanas.

Quando Moçambique celebrou a Independência, Noémia estava em Portugal. Aliás, Noémia não gostou de não ter sido convidada para festa do dia 25 de Junho de 1975. Ficou magoada. No dia 25 de Junho de 1975 estava na sua casa de Algés, na companhia dos legendários futebolistas Eusébio da Silva Ferreira, Hilário da Conceição e respectivas mulheres.

Em 1984, Noémia voltou para Moçambique. Visitou a sua casa em Katembe. Foi um regresso tremendamente emocionante. Há, inclusive, um poema onde ela intenta o sonho: “Um dia o sol inundará a vida e será como uma nova infância raiando para todos”. A década de 1980 foi uma época difícil para os moçambicanos. Foi o tempo da fome. Havia muita fome!

Quando Noémia regressou à Moçambique, os seus poemas eram virais no país. Ela foi estudada nas Escolas da Frente de Libertação de Moçambique, durante a Luta Armada, e na altura (anos 80) estava a ser estudada nas escolas moçambicanas. Noémia de Sousa já era um mito. O legado dela tinha sido recuperado pelos poetas de outras pátrias como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe.

Entretanto, “O Brado Africano”, “Itinerário”, “Msaho”, “Mensagem” (em Luanda), “Notícia de Bloqueio” (no Porto), “Moçambique 58”, “Vértice”, entre outras publicações moçambicanas e estrangeiras haviam-na publicado com ênfase.

Anos passaram, mas Noémia recusava-se a publicar um livro com os seus poemas. Foram várias tentativas de vários escritores próximos, mas não resultaram. Mas Noémia acabou por reconhecer que a sua modéstia não deveria impedir a publicação do livro. E cedeu.

Cinquenta anos depois de abandonar a escrita foi, então, publicado o livro “Sangue Negro” pela Associação dos Escritores Moçambicanos. O livro reúne 49 poemas de Noémia de Sousa, escritos entre 1949 e 1952. Noémia não os releu, nem os corrigiu, para que permanecessem na versão original. No ano seguinte (4 de Dezembro de 2002), Noémia de Sousa morreu, em Cascais, cidade portuguesa.

Os comentários, em torno da poesia de Noémia de Sousa, afirmam essencialmente que a grande base do texto de Noémia está centrada na eterna dicotomia “nós/outros” – “nós”, os perfeitamente africanos; os “outros”, as gentes estranhas, os que chegaram a África, os colonizadores.

Aqueles são os dois grandes temas da poesia de Noémia de Sousa: se por um lado há a contínua denúncia da total incompreensão por parte do colonizador, que apenas captava a superficialidade dos rituais, não compreendendo o âmago de África, demonstrando, desta forma, uma visão plenamente distorcida, por outro lado lançava em poemas de elogio aberto à raça negra, gritando bem alto e de forma plenamente perceptível que a presença do colonizador em África era sinónimo de força que apenas veio denegrir a imagem do continente.

Bibliografia

Amade, C. (3 de OUTUBRO de 2011). MBILA – PORTAL DE MUSICA DE MOÇAMBIQUE. Obtido em 5 de Abril de 2018, de Mbila: http://mbila.blogspot.com/2011/10/mae-dos-poetas-mocambicanos.html

Campos, M. (14 de Julho de 2016). O Globo. Obtido em 16 de Abril de 2018, de O Globo: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/mae-dos-poetas-mocambicanos-noemia-de-sousa-segue-inedita-no-brasil-16751056#ixzz4Ot6NMCXP

Noémia de Sousa in Artigos de apoio Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2018. [consult. 2018-05-30 15:32:58]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$noemia-de-sousa

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É jornalista e webdesigner desde Setembro de 2013. Na sua caminhada jornalística, está registada sua passagem pelo jornal O Nacional; Revista ÍDOLO, onde chegou a desempenhar as funções de editor executivo; para além de ter sido oficial de marketing digital na Ariella Boats. Foi, também, jornalista correspondente da Revista MACAU, em Moçambique. Actualmente é jornalista do jornal Notícias. É, desde 2020, licenciado em jornalismo, pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Sua caminhada no mundo do empreendedorismo digital iniciou com o lançamento da plataforma Biografia, em 2016. É também, o fundador do site evangelístico Chave de Davi, em 2018; e da loja online O Ardina Digital. Todos projectos foram concebidos ao lado do seu amigo Deanof Potompuanha.

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