Revista Biografia

Lurdes Mutola

Maria de Lurdes Mutola nasceu na cidade do Maputo, no dia 27 de Outubro de 1972. É filha de João Mutola, operário dos Caminhos de Ferro de Moçambique, e Catarina Mutola, mãe doméstica.

A família, de condição humilde, mudou-se de Inhambane na década 70 e fixou residência em Chamanculo, bairro suburbano da capital moçambicana.

No início da década de setenta, Chamanculo era um bairro pobre, sem condições mínimas de saneamento e sem água potável. As condições do bairro alteraram-se radicalmente com a chegada repentina de milhares de moçambicanos fugindo da guerra que assolou o país entre 1976 e 1992. As condições habitacionais de Chamanculo degradaram-se com aquela aglomeração.

Contudo, foi em Chamanculo, onde o seu pai construiu a casa da família, uma palhota feita de madeira e zinco, onde nasceram e ainda vivem os Mutola.

Lurdinhas, como é carinhosamente conhecida, ingressou no ensino primário na Escola Mista do Chamanculo, um estabelecimento de ensino que hoje exibe o nome em sua homenagem: Escola Primária Maria de Lurdes Mutola.

Ela nasceu com o amor ao desporto. Por várias vezes faltou à escola para poder participar em treinos de futebol nas zonas circunvizinhas e no seu bairro. Os pais de Mutola aborreciam-se com aquela atitude por entenderem que os estudos deviam estar em primeiro lugar nas opções de qualquer criança.

Entretanto, quando se tratava de prestar provas na escola, Lurdinhas sempre dava o seu máximo e acabava sempre por passar de classe. Mas os pais queriam mais aplicação na escola e decidiram punir Mutola, mandando-a para Maxixe, na província de Inhambane.

Lurdes viveu com a sua irmã mais velha, Gina, por aproximadamente três anos. Longe dos pais e amigos parecia que ela corrigia a preferência pelas actividades extra-escolares. Essa mudança era, porém apenas aparente. Lurdinhas aprendera a conciliar melhor escola e desporto. Em Inhambane, Maria de Lurdes progrediu nos estudos e na preparação física.

Após os três anos, Gina mudou-se para o norte de Moçambique e Lurdes Mutola regressou para casa, no Chamanculo. Não estava, ainda, resolvida da questão da sua ligação com o desporto. Com um agravante: como em Inhambane ela era uma das raras meninas a praticar desporto, Lurdinhas aprendeu a conviver com rapazes e a relutância dos pais em relação a esse hobby passa a ganhar uma nova dimensão.

Na altura, tinha começado um torneio de futebol feminino entre bairros na cidade de Maputo. Falava-se de uma “craque” que jogava muito bem e convocava a atenção de um vasto público.

Num belo dia, a família Mutola descansava, em suspiro aliviado, convencida de que ela estava na escola a estudar. No caminho de regresso para casa, João Mutola comentava com um colega de trabalho, o bom comportamento de sua filha, dando preferência às obrigações escolares. Eis que o colega sugere que passe por um campo desportivo, onde decorria o campeonato feminino da UFA. Entusiasmado, o amigo lhe refere que se fossem a tempo de assistir a uma partida de futebol feminino poderiam comprovar a existência de uma tal rapariga que, segundo se dizia, jogava melhor que os homens. A moça era rápida, inteligente e, sobretudo, marcava belos golos e fazia fintas inacreditáveis.

Chegados ao campo, João Mutola quase caía de costas. A tal jogadora exímia era a sua filha, Maria de Lurdes. O pai não foi capaz, no momento, de apreciar as qualidades atléticas da filha. Sentia-se enganado e, mais do que castigar a filha, culpou-se da sua ingenuidade ao acreditar que a filha se havia rendido à primazia dos estudos.

BERLIN, GERMANY – AUGUST 10: Golden League ISTAF 2003, Berlin; Siegerin Maria MUTOLA/MOZ – 800m/Frauen – (Photo by Alexander Hassenstein/Bongarts/Getty Images)

 

Em casa, houve conversa. Mutola entendeu que não valia a pena usar “fintas” nessa sua relação com os pais e com as suas preferências. Ela convenceu os pais que a verdade seria o caminho mas, para isso, deveria haver alguma cedência por parte deles. Lurdes passou a praticar desporto com meio consentimento dos pais. Ingressou no futebol masculino, inscrevendo-se na equipa masculina do Águia d’Ouro.

Durante as partidas de futebol masculino, somava-se a contestação de populares à das entidades oficiais. Todos insistiam que Lurdes Mutola deveria mudar de rumo. Para eles, ingressar no futebol masculino era ilegal. Foi então que surgiu José Craveirinha na vida de Maria de Lurdes Mutola.

Craveirinha, o poeta conceituado de Moçambique, de dimensão internacional, conheceu pessoalmente Maria de Lurdes Mutola numa partida de futebol masculino, no campo pelado da Mafalala, um bairro suburbano da cidade do Maputo.

O poeta admirou a sua capacidade de jogar com os homens, a sua coragem e a forma como corria com a bola. O artista aproximou-se de Maria de Lurdes Mutola e sensibilizou-a a mudar de desporto, tendo apresentado a atleta ao seu filho treinador de atletismo no clube Desportivo de Maputo, com quem começou a treinar e praticar atletismo.

Depois de várias tentativas de desistência, Mutola decidiu levar o atletismo a sério, sem renegar o futebol. Durante um tempo ela dividiu-se entre as duas modalidades: participava em partidas não oficiais enquanto procurava concentrar-se no atletismo.

Finalmente, os pais de Mutola apoiaram-na, uma vez que o atletismo era um desporto mais aceitável. Mas mantinha-se ainda a condição imposta desde o início: deveria prosseguir com os estudos.

Em 1988, Lurdes Mutola participou nos jogos Olímpicos de Seul, Coreia do Sul, com 16 anos. A primeira reacção foi quase sucumbir à grandiosidade do evento. Mas depois reage positivamente e ganha coragem para tomar parte em eventos de grande envergadura.

Respondendo às condições impostas pelos pais de Mutola, as autoridades moçambicanas e instituições desportivas lançaram uma campanha para a busca de apoio para atribuição de uma bolsa de estudos para a atleta. As opções dividiam-se entre Portugal e Estados Unidos da América, com algumas tentativas para a Rússia e outros países do Leste.

A escolha recaiu sobre os Estados Unidos da América, para onde Maria de Lurdes Mutola seguiu com uma Bolsa de Solidariedade Olímpica.

Já a viver nos Estados Unidos, a ligação de Maria de Lurdes Mutola com a família torna-se maior, pois Mutola sentia saudades da família e dos amigos. Nas férias, sempre que pudesse, regressava à casa e visitava a família.

Segundo a “rainha” dos 800 metros, o pai era seu aliado nas batalhas que cruzava. Dele vinham sempre bons conselhos, não só de pai para filha mas, de amigo e de um fã incansável. Foi o seu pai, que a pediu, em confissão, para prometer e jurar nunca mudar a sua nacionalidade. João Mutola, um operário humilde, fez questão de ouvir a promessa e o juramento de Maria de Lurdes Mutola para que nunca aceitasse, perante qualquer proposta, nem que fosse milionária, mudar da sua nacionalidade, pois “Moçambique é um povo humilde que lutou pela liberdade e nunca aceitará um filho(a) que por qualquer proposta aceitasse “vender” a nacionalidade do país”.

João Mutola disse também, à sua filha, que o país de que ela é originária, é pobre e não poderá oferecer tanto quanto os outros países poderiam oferecê-la, mas o amor e o carrinho que o país tem por ela, não tem preço e nenhum dinheiro no mundo poderá comprar a emoção e amor de um povo.

Maria de Lurdes Mutola ouviu o conselho do pai, e memorizou aquele momento, do mesmo jeito que memorizou os conselhos para nunca parar de estudar. Pouco tempo depois, quando a “estrela” Mutola começa a brilhar no mundo do desporto, surgiram muitas propostas para que mudasse de nacionalidade. Lurdes Mutola nunca aceitou as propostas, mesmo sendo milionárias. Ainda que ela precisasse as promessas oferecidas em troca da nacionalidade.

Momento mais triste de Mutola

O momento mais triste da vida de Mutola foi, quando no meio de uma prova, é-lhe informada sobre o falecimento do pai. João Mutola perdeu a vida num acidente de viação.

Actualmente, Maria de Lurdes Mutola há-de ser uma das mulheres mais felizes do mundo. Ela conseguiu, mesmo sendo de um dos países mais pobre do mundo, o que ninguém no mundo do atletismo conseguiu. Mutola é campeã olímpica (Sydney, Austrália, 2000) e mundial dos 800 metros (Edmonton, no Canadá, 2001). Detém o recorde mundial dos 1000 metros, em pista coberta e pista aberta. É detentora do recorde africano dos 1000 metros em pista aberta, recorde africano dos 800 metros em pista aberta.

Em 1995, consagrou-se vencedora do Grande Prémio da IAAF – Federação Internacional de Atletismo Amador. Foi três vezes campeã africana (uma das quais em 1500 metros), e duas vezes no campeonato dos Jogos Pan-Africanos. Em 2000, foi eleita para tomar parte da Comissão de Atletas do Comité Olímpico Internacional, posição que ocupa até hoje. Lurdes Mutola é dona de todos os recordes de Moçambique, para as suas categorias.

Em Agosto de 2015, a Universidade Eduardo Mondlane atribuiu à Lurdes Mutola, o título de Doutora Honoris Causa, na especialidade de Ciências do Desporto. A homenagem aconteceu em reconhecimento dos feitos nobres e únicos da atleta.

Adaptado

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Este texto foi elaborado ou encontrado numa fonte ligada ao biografado, podendo ter algumas adaptações da Revista Biografia.

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