Nação reage calma e tranquila
O dia amanheceu tranquilo. Nada fazia prever que aquele dia – 20 de Outubro de 1986 – iria ser um dia diferente. Nada fazia prever a tragédia que, afinal, desde a véspera já estava consumada.
Mas a notícia transmitida pela rádio sul-africana no noticiário das seis horas, cedo se espalhou pela cidade. Espalhou-se lentamente. Mas as pessoas sentiam qualquer coisa no ar e juntavam-se pelas esquinas, em pequenos grupos. Alguma coisa muito grave estava a acontecer.
Até que, por volta das oito horas da manhã, a Rádio Moçambique (RM) deu um comunicado do partido.
Com voz embargada de emoção, Marcelino dos Santos informou ao país que o avião presidencial se tinha despenhado. “Despenhado? O que é despenhado? Qual Presidente? O nosso Presidente? Pode lá ser! Não acreditamos”.
Estes eram os comentários que se ouviam pelas ruas da cidade de Maputo, toda a manhã. E toda tarde.
Da cidade de Maputo e das outras cidades da nossa terra. Na Beira, em Tete, em Nampula, a incredulidade, o receio, a dor eram iguais.
As pessoas corriam para os rádios, em busca de notícias. Mas todo o dia o mesmo comunicado era repetido, de hora a hora. Nos intervalos, música clássica. A música clássica que em Moçambique era sempre sinal infalível de luto e tragédia.
Ninguém sabia nada de nada. Nomes circulavam. A esperança começou a nascer quando se soube que havia sobrevivente. Quem?
Na rádio apelava-se a calma e disciplina. Mas a cidade continuava tranquila como que mergulhada num banho de apatia. Havia calma e disciplina, mas sobretudo choque. O choque e o medo. “O nosso Presidente? Não acreditamos”, havia lágrimas nos olhos das pessoas.
“Se for verdade como vamos fazer? Onde arranjar outro dirigente com o seu tamanho? Quem terá a magia, o carisma da sua presença?”, perguntava um velho funcionário público, não tentando sequer disfarçar as lágrimas que lhe escorriam pela cara.
As lojas não fecharam. As empresas e os escritórios paralisaram a sua actividade durante algum tempo.
Mas o povo, esse andava pelas ruas como que aturdido. Os trabalhadores compareceram ao serviço. Nas empresas, os chefes reuniam o seu pessoal para tentar explicar o que não tinha explicação.
De fora, chegavam notícias alarmantes. Mas a esperança é sempre a última a desaparecer porque havia sobreviventes. Quem? Quantos? Ninguém sabia dizer.
O aeroporto retomou seu movimento normal pelas nove da manhã. O espaço aéreo de Moçambique, que tinha estado encerrado desde o desaparecimento do avião, reabriu logo que este foi localizado. O “DC-10” das LAM, que tinha sido encaminhado para Beira, aterrou às 10:30h.
Muitos voos domésticos foram cancelados. A delegação de alto nível, chefiada pelo Ministro da Segurança, Sérgio Vieira, que de manhã se deslocara ao local da tragédia, regressou cerca das 15 horas e 45 minutos. As ambulâncias estacionadas na placa começaram a movimentar-se.
Tão perturbado e comovido como todos os outros, o Primeiro-Ministro, Mário Machungo, movimentava-se no aeroporto. O Ministro da Defesa, Alberto Chipande, e o Vice-Ministro, Sebastião Mabote, reuniam-se com Sérgio Vieira.
Na sua cara, a mesma tristeza, o mesmo espanto, a mesma incompreensão.
De Nampula, da Beira, de Quelimane, continuavam a chegar notícias de que a população se mantinha calma, como que em estado de choque. A mesma surpresa, a mesma angústia em todas as pessoas.
A esperança de um milagre foi se desvanecendo a pouco e pouco.
A música clássica continuava na RM. O comunicado sempre igual. O desespero tornava-se cada vez mais visível. No coração das pessoas crescia o medo.
“Não pode ser verdade. Não pode ter acontecido.” Mas afinal, aconteceu.
Às 21 horas e 30 minutos, com a voz embargada pela emoção, Marcelino dos Santos anunciava à Nação a grande tragédia. Samora Machel morreu!
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(“Nação reage calma e tranquila”. Notícias [cidade de Maputo] 21 de Outubro de 1986: pag. 5. Impresso)
Este é um texto de memória (género de narrativas biográficas) extraído do jornal Notícias, encontrado no Arquivo Histórico de Moçambique. A história descreve como a cidade de Maputo reagiu à tragédia que matou o primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel.