Revista Biografia

Emília Daússe

Emília Daússe Thembo nasceu em 1953, em Nyaakamba, na localidade de Cachembe, sede-distrital de Marara, na província de Tete. É filha de Daússe Thembo e Joanica Faqueiro, casal que teve outros sete filhos, sendo o pai originário da então Rodésia do Sul, actual Zimbabwe, pertencendo ao grupo etno-linguístico “shona”.

Por conta da seca que assolou a região em 1956, acompanhado da problemática do trabalho e impostos pagos pelos nativos ao regime colonial português, vulgo “mussoco”, a família Daússe emigrou para o Zimbabwe. Na antiga Rodésia, Daússe Thembo conseguiu um emprego numa plantação de algodão e por lá Emília acabou passando parte da sua infância até por volta de 1965.

Dados colhidos no Instituto de Investigação Sócio-Cultural (ARPAC) em Tete, explicam que o regresso da família Daússe deveu-se à massiva campanha de mobilização que os nacionalistas moçambicanos realizavam junto dos seus compatriotas nas plantações, minas e outros sectores de actividade no Zimbabwe.

Ao regressar à Nyaakamba, Emília Daússe ingressou na escola primária e missionária local, onde concluiu a segunda classe em 1969. Consta que enquanto criança foi igual a várias da sua época, dedicando-se a actividades domésticas, assim como divertia-se com amigas, praticando jogos e danças tradicionais como m’dai, njole e mafuwe.

Concluída a segunda classe, com cerca de 16 anos de idade, e não havendo outras oportunidades para continuar a estudar no seu povoado, empregou-se como trabalhadora doméstica numa casa em Nyaakamba.

INGRESSO NA LUTA ARMADA

Ao nível de Tete, a Luta Armada iniciou em 1964, no posto de Charre,  no distrito de Mutarara, mas por conta do posicionamento geográfico a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) enfrentou vários constrangimentos para prosseguir com acções militares nesta região, sobretudo de ordem logística e proximidade de alguns países que se mostravam hostis à causa libertária. Nesse contexto, as operações militares foram suspensas em 1965.

Dois anos depois, o Comando da FRELIMO decidiu reabrir a Frente de Tete enviando 12 guerrilheiros liderados por Francisco Manyanga, após a consolidação das frentes de Cabo Delgado e Niassa. Esta província era geo-estrategicamente fulcral tanto para os objectivos nacionais, assim como para abertura de possibilidades de apoio aos movimentos de libertação do Zimbabwe, e do Congresso Nacional Africano (ANC), na África do Sul.

Emília Daússe

O contingente militar beneficiou de reforços sistemáticos e em Maio de 1969 chegou um grupo liderado por José Moiane, que teve a ideia de dividir a província em quatro sectores. E nesta divisão Nyaakamba ficou na zona do Quarto Sector, que era bastante relevante, porque tinha a missão de atrasar a construção da Barragem de Cahora Bassa, para permitir que em menos tempo a FRELIMO atravessasse o rio Zambeze pois, caso contrário, ficaria difícil a expansão da Luta para zona Centro, por conta do enchimento da albufeira.

Segundo um livro elaborado pelo ARPAC, foi a implantação do Quarto Sector, em 1970, que despertou em Emília Daússe a consciência nacionalista, pois o acto teve como consequência o aumento da presença de guerrilheiros da FRELIMO na zona, mobilização da população e intensificação de actividades militares.

Com efeito, a população, apesar das fortes campanhas difamatórias do colonialismo português, prestou apoio aos guerrilheiros da Frente de Tete, sobretudo através do fornecimento de alimentos. Para cortar o apoio, o regime colonial retirou à força a população dos povoados, confinando-a em campos de concentração demarcados e cercados pelo exército.

Estrategicamente, as mulheres, sobre pretexto de irem buscar água no rio Nyaticoma, colocavam comida confeccionada em potes, bacias, baldes, e entregavam aos guerrilheiros estacionados nas margens. Emília Daússe foi uma das mulheres que ainda jovem fez este trabalho. As tropas portuguesas ao descobrirem este tipo de acções foram à aldeia de Nyaakamba aniquilar os membros da população que prestavam apoio a FRELIMO. Emília vivenciou as barbaridades e decidiu ingressar na Frente, em 1971.

EMPENHO DE EMÍLIA DAÚSSE NA GUERRA

Emília saiu de Nyaakamba e seguiu para a sub-base de Nyambhandu. Entretanto, por conta de um ataque da tropa colonial, a recém-filiada e outras mulheres que acabavam de ser mobilizadas foram para Kangudzi, no Comando do quinto destacamento do Quarto Sector. Permaneceram por três meses, seguindo depois para a base de segurança conhecida por N’solo wa Nzou (cabeça de elefante), em Chintholo.

Monumento construído em homenagem a Emília Daússe, no povoado de Nyaakamba, no distrito de Marara

Em N’solo wa Nzou, Emília Daússe destacou-se na organização das companheiras para o transporte de material para abastecer o Quarto Sector. Sem preparação militar, recorria à sua experiência, em Nyaakamba, “driblava” toda vigilância portuguesa e ia buscar material, víveres e medicamentos no Primeiro Sector, que era vizinho, para o seu.

Ela teve a tarefa de organizar outras militantes em grupos de 10 a 15 combatentes, que semanalmente seguiam à busca de material de guerra para as frentes de combate. Este equipamento era, em algumas vezes, tomado das tropas portuguesas durante os confrontos. O seu empenho e sucesso nas tarefas que lhe eram confiadas fizeram com que fosse seleccionada, em Março de 1972, para ir receber treinos político-militares no campo de Nachingwea, na Tanzânia.

Regressou da preparação político-militar em Setembro de 1972, passando a realizar o seu trabalho na famosa Base Kassuende, no Primeiro Sector. Pelo que está documentado, esta base funcionou, durante a Luta de Libertação Nacional, como um centro logístico da FRELIMO na Frente de Tete. Era neste local onde todo o material de guerra e víveres vindos da Tanzânia eram armazenados e, a partir de lá, enviados para as frentes de operação. Emília foi indigitada Chefe de Pelotão, e como tal desdobrou-se no transporte do material junto à fronteira com a Zâmbia para Kassuende e, desta Base, para as zonas de serviço.

Pelo seu empenho, foi enviada para a Base de Nyaluiro, no distrito de Marávia, sendo a partir deste local que se canalizava o material para o Quarto Sector, que estava num bom momento, colhendo grandes resultados e estendendo a Luta para Manica e Sofala, bem como a região Sul. Assim, o grupo de Emília tinha o desafio de abastecer regularmente o sector com armamento e medicamentos.

Conhecendo a importância logística da Base de Nyaluiro para o avanço da Luta para o sul, as tropas portuguesas cercaram por várias posições, estabelecendo quartéis e batalhões por perto. Posto isto, realizavam acções com vista a desmantela-la.

Deu-se que a Base recebeu um carregamento de material bélico e medicamentos que tinham como destino o estratégico Quarto Sector. Todavia, antes de chegar ao destino, saindo de Kassuende, o material era escondido nas montanhas, aguardando-se por uma oportunidade para ser transportado pelas margens do rio Zambeze.

A obra do ARPAC, citando Elisa Fole Jassi, guarda-costas de Emília Daússe, explica que a Heroína encontrou a morte a 11 de Novembro de 1973, liderando um pequeno grupo que saiu da Base de Nyaluiro, na tentativa de garantir o transporte do material e medicamentos que tinham acabado de chegar. Enquanto saíam do esconderijo do equipamento foram surpreendidos com uma ofensiva da tropa colonial.

A guarda-costas contou que o grupo tentou ripostar, mas devido ao efeito surpresa, alguns combatentes recuaram e Emília Daússe perdeu cobertura, ficando exposta às balas do inimigo. Acrescentou que a Heroína não quis recuar porque estava em jogo a grande quantidade de material de guerra que acabava de chegar. O seu funeral foi realizado no dia 12 de Novembro, perto da Base de Nyaluiro.

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É jornalista e webdesigner desde Setembro de 2013. Na sua caminhada jornalística, está registada sua passagem pelo jornal O Nacional; Revista ÍDOLO, onde chegou a desempenhar as funções de editor executivo; para além de ter sido oficial de marketing digital na Ariella Boats. Foi, também, jornalista correspondente da Revista MACAU, em Moçambique. Actualmente é jornalista do jornal Notícias. É, desde 2020, licenciado em jornalismo, pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Sua caminhada no mundo do empreendedorismo digital iniciou com o lançamento da plataforma Biografia, em 2016. É também, o fundador do site evangelístico Chave de Davi, em 2018; e da loja online O Ardina Digital. Todos projectos foram concebidos ao lado do seu amigo Deanof Potompuanha.

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